Aprovada em 2023, a reforma tributária brasileira representa uma das transformações estruturais mais relevantes dos últimos 50 anos e promete reconfigurar os fundamentos do sistema de arrecadação no país. Embora a nova legislação entre em vigor de forma escalonada, seus efeitos já despertam atenção em toda a cadeia de suprimentos.

Para aprofundar o tema e seus impactos no planejamento logístico e fiscal das empresas, a Slimstock Brasil promoveu, no dia 17 de junho de 2025, um webinar com a participação da tributarista Ana Lídia Cunha.

 

O que está na base da mudança

A discussão em torno da substituição dos tributos sobre consumo por um modelo unificado de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) não é nova, remonta há mais de três décadas. A proposta, amplamente debatida por diferentes governos e setores da sociedade, avança agora com a criação de dois novos tributos:

  • CBS: Contribuição sobre Bens e Serviços, de competência federal, que substituirá o PIS, a Cofins e, em alguns casos, o IPI;
  • IBS: Imposto sobre Bens e Serviços, que reunirá ICMS (estadual) e ISS (municipal), e será compartilhado entre estados e municípios.

O novo IVA
CBS
  • Contribuição Sobre Bens e Serviços
  • Federal
  • Substitui PIS, Cofins e IPI (em alguns casos)
IBS
  • Imposto Sobre Bens e Serviços
  • Estadual e Municipal
  • Substitui ICMS e ISS

 

Hoje, o Brasil convive com 27 legislações distintas de ICMS e inúmeros regimes municipais de ISS. A promessa da reforma é simplificar esse cenário, uniformizar as regras e reduzir distorções competitivas, ainda que o período de transição vá até 2032.

A arrecadação passará a ocorrer no destino, ou seja, onde o bem ou serviço é consumido, e não mais no local de origem. Isso muda a lógica de incentivos que historicamente influenciou a decisão sobre onde instalar fábricas, centros de distribuição e até a estrutura societária das empresas.

 

Impactos práticos na operação

A expectativa do governo é de que empresas que produzem os mesmos itens passem a ser tributadas de forma igual, independentemente da localidade da operação — seja em São Paulo, Manaus ou Espírito Santo. Com isso, ganha relevância a eficiência logística e perde força a necessidade de estratégias tributárias para manter competitividade.

Atualmente, o sistema de incentivos fiscais, como os concedidos pela Zona Franca de Manaus ou por estados com regimes especiais, influencia diretamente o preço final de muitos produtos. Com a reforma, a ideia é que a formação de preço se baseie em fatores reais de mercado, como proximidade do consumidor, capacidade logística e planejamento de demanda, e não em benefícios fiscais isolados.

Etapas e cronograma da transição

  • 2026: início da cobrança simbólica da CBS e IBS para fins de testes e adaptação — sem impacto financeiro imediato;
  • 2027: extinção do PIS e da Cofins; cobrança efetiva da CBS;
  • 2029 a 2032: fase de transição com redução progressiva do ICMS e ISS;
  • 2033: entrada plena do novo regime com extinção das obrigações estaduais e municipais. O CNPJ passará a ser a única inscrição fiscal, eliminando cadastros separados em cada ente federativo.

As alíquotas ainda não foram fixadas. A estimativa inicial é de uma alíquota padrão nacional próxima de 25%, dividida entre CBS e IBS. O Senado Federal será responsável por estabelecer as alíquotas máximas, e cada estado e município poderá definir sua fração, compondo a alíquota final conforme a localização do consumidor final.

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O que passa a ser tributado

A base de incidência se amplia: bens e serviços serão tributados igualmente, e operações onerosas e não onerosas também poderão entrar na base de cálculo. Exemplo: contratos de locação, antes isentos de ISS, passarão a ser tributados por CBS e IBS.

O tratamento dado às exportações continua o mesmo: serão desoneradas. Já as importações permanecem tributadas, com regras similares às atuais.

Outro ponto de atenção diz respeito às operações internas: tudo o que for fornecido pela empresa a seus colaboradores com natureza de uso pessoal como moradia ou veículo — poderá ser tributado. Por outro lado, permanecem isentos benefícios como vale-transporte, vale-refeição, uniformes, EPIs, alimentação no local, creche e enfermaria.

 

E os créditos tributários?

Um ponto sensível será o controle dos créditos. No novo modelo, somente bens e serviços vinculados diretamente à atividade da empresa — comprovados com documentação adequada — poderão gerar crédito de CBS e IBS. Compras indiretas ou com uso pessoal precisarão ser cuidadosamente rastreadas.

Além disso, o crédito só poderá ser apropriado após a emissão da nota fiscal. Isso impacta diretamente o fluxo de caixa em casos de antecipações de pagamento sem nota emitida no momento da transação.

 

Como a supply chain deve se preparar? 7 ações essenciais para navegar pela reforma tributária

1. Revisar a precificação

A mudança no modelo de cobrança exigirá reavaliar os preços praticados, considerando o impacto das novas alíquotas, regimes de crédito e custo logístico. A reprecificação deve ocorrer gradualmente, acompanhando o calendário da transição.

2. Atualizar contratos

Muitos contratos contêm cláusulas vinculadas ao regime atual. É fundamental revisá-los para prever os efeitos da nova tributação e evitar litígios.

3. Reavaliar fornecedores com incentivos fiscais vigentes

Com a tendência de extinção desses incentivos, fornecedores antes competitivos podem perder vantagem, exigindo realinhamento na cadeia.

4. Atentar para regime de tributação de fornecedores

Empresas optantes pelo Simples Nacional ou Lucro Presumido podem gerar menos crédito tributário. Isso afeta o custo de aquisição e exige avaliação cuidadosa.

5. Ajustar KPIs e indicadores financeiros

Margens, custos e eficiência logística poderão sofrer distorções. Adaptar os KPIs à nova realidade fiscal é essencial para manter a gestão estratégica alinhada.

6. Revisar compras indiretas e lastros

Itens antes sem crédito (como materiais administrativos ou serviços de apoio) passam a gerar crédito. Isso muda o papel estratégico dessas aquisições.

7. Reorganizar prazos e políticas de pagamento

Como o crédito será apropriado após a emissão da nota, pagamentos antecipados sem documentação fiscal podem prejudicar o fluxo de caixa.

 

Em suma, a reforma tributária promete acabar com distorções históricas, promover mais transparência e simplificar processos – mas sua implementação exigirá atenção redobrada, especialmente de quem atua em áreas como supply chain, planejamento de demanda, compras e logística. Para navegar por essa transição com segurança, será essencial investir em governança fiscal, integração de sistemas, análise de impacto tributário e, sobretudo, planejamento de médio e longo prazo.

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Cadeia de suprimentos